Um é picado por escorpião a cada dois dias e férias ampliam risco a crianças
Entre 2017 e 2018, 226 pessoas foram atendidas em Bauru, referência para tratamento na região; os pequenos são os mais vulneráveis a complicações
Renan Casal/JC Imagens |
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Médico Rafael Arruda alerta aos riscos para as crianças |
Eles são pequenos, passam a maior parte do tempo escondidos e conseguem se camuflar facilmente. Presentes tanto na zona urbana quanto rural, os escorpiões são responsáveis por um número considerável de acidentes com humanos.
E, nas férias escolares, o risco aumenta especialmente para as crianças, que passam mais tempo brincando próximo a possíveis locais em que os escorpiões costumam se abrigar. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, de janeiro de 2017 até ontem, 226 pessoas foram atendidas na cidade depois de serem picadas pelo artrópode - uma média de um caso registrado a cada dois dias.
No caso mais recente, na última terça-feira (10), a garotinha Yasmin Lemos Campos, 4 anos, morreu depois de ser ferida em Cabrália Paulista (45 quilômetros de Bauru). O acidente teria ocorrido pela manhã e o soro antiescorpiônico só foi aplicado à tarde, quando a menina finalmente chegou em Bauru (clique aqui e veja mais).
Diretor do Departamento de Urgência e Emergência do município, Rafael Arruda explica que as crianças, pelo porte pequeno, são as que apresentam mais complicações depois de serem picadas. Justamente por isso, são as que mais demandam aplicação do soro para combater a ação do veneno.
Das 226 pessoas atendidas entre 2017 e 2018, 11 precisaram receber o antídoto, sendo 10 crianças. "O adulto geralmente precisa do soro quando tem algum problema crônico de saúde, no coração ou no pulmão, por exemplo", explica.
Os números se referem aos casos registrados em 18 municípios da microrregião, que abrangem uma população de 730 mil habitantes, já que Bauru é referência para este tipo de tratamento. Assim como Yasmin, os pacientes que precisam de atendimento especializado são transferidos para cá, onde poderão, de acordo com a necessidade, receber o soro.
O antídoto só é aplicado quando a vítima apresenta sintomas moderados como salivação excessiva, vômitos e sudorese, ou mais graves como distúrbios de pressão arterial e de frequência cardíaca, que podem levar a uma parada cardiorrespiratória.
COMO PROCEDER
Segundo Arruda, os acidentes com crianças aumentam nas férias escolares porque, sem aulas, elas tendem a brincar com maior frequência em ambientes abertos. "Elas vão mais para a rua, brincar no mato ou próximo a entulhos de construção, que é onde o escorpião - um animal de hábito noturno - fica durante o dia: escondido embaixo de madeiras, de tijolos e folhas secas, que são locais escuros e úmidos", detalha.
E, como o organismo dos pequenos é mais vulnerável à ação do veneno, a recomendação é, sempre, ligar para o 192, telefone de emergência do Samu, que prestará todas as informações para o atendimento mais ágil e adequado à vítima. "Mesmo a distância, o médico regulador terá condições de avaliar as condições gerais da criança para tomar a melhor decisão", pontua.
O profissional poderá, por exemplo, pedir para que a família leve o paciente até a unidade de saúde mais próxima e, em seguida, solicitar que o município encaminhe o soro até o local. Outra possibilidade é orientar para que a vítima seja levada diretamente à UPA da Bela Vista, única unidade de saúde do município que mantém estoque do soro antiescorpiônico atualmente.
Já os adultos devem ser encaminhados para qualquer unidade de saúde, mas, se apresentarem sintomas, a preferência é para que recorram também à UPA da Bela Vista. "A regra vale inclusive para quem tem convênio de saúde. Quem precisar do soro, terá de recorrer à rede pública", completa.
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Só 3 cidades da região tem soro antiescorpiônico
A ausência de soro em cidades menores da região e a necessidade de transferir os pacientes para Bauru gerou discussão nos últimos dois dias, em razão da morte da pequena Yasmin Lemos Campos. Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que "a aquisição e distribuição de soro antiescorpiônico é de responsabilidade do Ministério da Saúde" e que "a definição dos locais estratégicos para disponibilização de soro contra animais peçonhentos segue política definida pelo órgão federal".
O Ministério da Saúde, por sua vez, disse que cabe ao Estado "fazer a distribuição aos respectivos municípios, de acordo com as necessidades locais, podendo, inclusive, remanejar esses imunobiológicos de uma cidade para outra".
Em meio ao jogo de palavras, por telefone, as assessoria de imprensa de ambas as pastas afirmaram que é o ministério quem faz as recomendações para alocação dos antídotos, de forma estratégica, em áreas de maior risco de acidentes e óbitos, e que cabe ao município definir, com base neste critério, as cidades que serão transformadas em referência no tratamento. Na região, além de Bauru, somente unidades de saúde de Jaú e Lins possuem doses do soro antiescorpiônico.
Segundo o Estado, o recebimento das ampolas vem ocorrendo de forma irregular e, neste ano, o Ministério da Saúde elaborou Nota Informativa para reforçar a necessidade de uso racional dos antídotos. "A necessidade do Estado é de 650 ampolas por mês, em média, mas o Ministério tem feito entrega parcial. Neste mês, por exemplo, foram recebidas 126 ampolas", diz a nota.
A informação é rebatida pela União. "Para o Estado de São Paulo, até julho deste ano, foram encaminhadas 620 ampolas de soro antiescorpiônico. Apenas no mês de julho, foram enviadas 350 doses", afirma, também em nota encaminhada à reportagem. Questionado, o Departamento de Urgência e Emergência de Bauru informou que não houve falta de doses no estoque do município.
Cobras: menos comuns, mais perigosas
Apesar de o número de acidentes com escorpiões ser maior, as complicações provocadas por picadas de cobra costumam ser mais frequentes, segundo o diretor do Departamento de Urgência e Emergência, Rafael Arruda. "A cobra inocula mais veneno e existem vários tipos de serpentes com venenos que têm ações diferentes no organismo".
Entre 2017 e 2018, foram 39 casos atendidos e, destes, 26 - ou seja, a maioria - necessitaram de soro antiofídico. As vítimas eram 24 adultos e duas crianças. "Provavelmente, o adulto se expõe mais a situações em que possa ser picado por cobra, ou ao tentar manipular o animal ou durante o trabalho em áreas rurais", acrescenta.
Bauru também disponibiliza soro para combater a ação de veneno de aranhas, mas, entre 2018 e o ano passado, não houve registro de pacientes picados por este tipo de artrópode. Segundo Arruda, não existe, até hoje, soro para picadas de abelha disponíveis na rede pública, embora a Unesp de Botucatu esteja conduzindo pesquisas para desenvolvê-lo. Com os estudos em fase final, doses já estão sendo aplicadas em pacientes com quadro de saúde mais agravado.